Da utilização da Carta de Fiança Bancária no processo do Trabalho

sexta-feira, janeiro 6th, 2012.

A fiança encontra-se disposta nos artigos 818 a 839 do Código Civil de 2002, Lei nº 10.406/2002, sendo conceituada como um contrato através do qual uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

O fiador, ao responsabilizar-se pelo afiançado, assume uma obrigação com o credor, dando-lhe maiores garantias e possibilidades de receber a sua dívida, respondendo, caso não haja o resgate do débito, com seus bens patrimoniais pessoais.

A FIANÇA BANCÁRIA é uma espécie do gênero fiança, constituindo-se em um compromisso contratual, no qual o Banco, como fiador, garante o cumprimento de obrigações de seus clientes, pessoas naturais ou Jurídicas.

Tal espécie de fiança vem sendo utilizada com sucesso para garantia dos débitos tributários em execuções fiscais promovidas pela Fazenda Pública (Lei 6.830/80), tendo em vista o tempo de discussão em tais ações, não raro, exceder cinco anos.

Nesse sentido, diante do disposto no artigo 889 da CLT, que prevê a aplicação da Lei 6.830/80 no processo de execução trabalhista naquilo em que não contrariar as normas previstas na CLT, entendemos perfeitamente cabível a utilização da Carta de Fiança Bancária para garantia e discussões dos créditos existentes no Processo do Trabalho, em qualquer fase, sendo este instrumento hábil a proteger os interesses do credor e do devedor trabalhista.

Possuindo os recursos trabalhistas mero efeito devolutivo, permitindo ao reclamante a execução provisória do julgado até a penhora de bens, a carta de fiança bancária torna-se instrumento efetivo para garantir, caso não haja reforma pelo tribunal da condenação, que os valores devidos sejam integral e corretamente quitados junto ao reclamante, com a incidência de juros e correção monetária.

Por outro lado, proporciona ao reclamado (empresa) a segurança de manejar recursos às instâncias superiores, exercitando seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, sem a preocupação de que a qualquer momento suas contas, de seus sócios ou ex-sócios sejam arbitrariamente bloqueadas e penhoradas.

Caso a empresa já tenha efetuado o depósito dos valores para a garantia do juízo, entendemos perfeitamente possível a substituição do dinheiro penhorado pela carta de fiança bancária, não havendo prejuízo algum ao reclamante, que deverá necessariamente aguardar a decisão definitiva do feito para soerguer os valores.

Da mesma forma, no caso de execução definitiva, o executado poderá garantir a execução com a carta de fiança bancária para discussão de algumas das hipóteses elencadas no artigo 475 L do CPC, constituindo-se esta, instrumento idôneo e eficaz para a garantia do credor, pois equivale a dinheiro.

Na pratica não há qualquer diferença entre o dinheiro depositado e a carta de fiança bancária, bastando a prévia intimação da instituição financeira fiadora para depositar o valor atualizado do débito em uma conta do juízo, o que geralmente ocorre, sem questionamentos, em dois dias.
Portanto, tratando-se de execução provisória, ou mesmo de execução definitiva, a carta de fiança bancária atende aos interesses e anseios de ambas as partes, proporcionando à empresa a continuidade de seus negócios com o pagamento de seus funcionários, tributos, insumos e outros compromissos financeiros enquanto a questão não é decidida em juízo e proporcionando ao reclamante a segurança de que receberá com certeza o valor que lhe é realmente devido, acrescido de juros e correção monetária, logo após a entrega da prestação jurisdicional.

A manutenção de capital penhorado nos autos do processo, dependendo do porte da empresa e do montante apurado, condena esta à morte, pois lhe retira o capital de giro, necessário à continuação de suas atividades, ocasionando um efeito “bola de neve”, pois condena outros empregados ao desemprego, o que possivelmente gerará mais demandas trabalhistas.

Além disso, a correção monetária e os juros pagos pela instituição financeira, na qual o dinheiro permanece depositado enquanto não há solução do litigio, são bem menores do que àqueles previstos para a atualização dos débitos trabalhistas, sendo a empresa no final obrigada a arcar com as diferenças apuradas pelo juízo.

A Carta de Fiança Bancária está expressamente prevista em nossa legislação no artigo 656, § 2º do CPC, o qual determina que ao valor discutido seja acrescido o percentual de 30%. Além disso, esse instrumento deve ser especifico para garantia do processo, bem como possuir prazo indeterminado.
A ordem preferencial da penhora de bens encontra-se detalhadamente descrita no artigo 655 do CPC, sendo previsto em primeiro lugar para garantia da execução “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira.”

Da mesma forma, encontra-se expressamente previsto em nossa legislação o princípio da menor onerosidade ao devedor, conforme artigo 620 do CPC, “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

Tal princípio humaniza a execução, tendo por escopo resguardar a dignidade da pessoa humana do executado, mostrando-se perfeitamente compatível com a execução trabalhista (arts. 769 e 889 da CLT) e com o artigo 612 do CPC, pois somente quando a execução puder ser realizada com a mesma efetividade para o credor, será preferível o meio menos oneroso para o devedor: a carta de fiança bancária.

Apesar de os juizes de primeira instância ainda não demonstrarem muita simpatia em relação a essa garantia, nosso C. TST já possui entendimento cristalizado, firmado através da OJ 59 da SBDI- 2, de que carta de fiança bancária equivale a dinheiro:

OJ-SDI2-59 MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA. CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA. Inserida em 20.09.00

A carta de fiança bancária equivale a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 655 do CPC.

Ademais, a garantia da execução por fiança bancária está expressamente prevista no artigo 9º, inciso II, da Lei 6.830/80, e a substituição de dinheiro por fiança bancária está expressamente prevista no artigo 15, I da mesma lei, perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho, face ao disposto no artigo 889 da CLT.

Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
I - ...
II - oferecer fiança bancária;
III - ....
IV - ...
§ 1º - .......
§ 2º - Juntar-se-á aos autos a prova do depósito, da fiança bancária ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros.
§ 3º - A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro ou fiança bancária, produz os mesmos efeitos da penhora.
§ 4º - ...
§ 5º - A fiança bancária prevista no inciso II obedecerá às condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
§ 6º - ....

Art. 15 - Em qualquer fase do processo, será deferida pelo Juiz:
I - ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária; e
II - ..........

Julgados recentes de nosso Colendo TST, confirmam nossa tese:

NÚMERO ÚNICO PROC: ROAG - 42/2007-000-10-00
PUBLICAÇÃO: DJ - 19/10/2007
PROC. Nº TST-ROAG-42/2007-000-10-00.0
A C Ó R D Ã O
SBDI-2

RECURSO ORDINÁRIO EM AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA.

INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DO DINHEIRO OFERECIDO EM GARANTIA DA EXECUÇÃO POR CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 59 DA SBDI-2 Nos termos da OJ 59 da SBDI-2, esta Corte firmou entendimento no sentido de que a carta de fiança bancária equivale a dinheiro para efeito de gradação dos bens penhoráveis a que se refere o art. 655 do CPC. Isso porque a carta de fiança se reveste da mesma liquidez atinente ao dinheiro, atendendo, portanto, à gradação legal de preferência dos bens a serem constritos, nos termos do art. 15, I, da Lei 6.830/80. Sendo assim, assiste razão ao Impetrante quanto à existência de direito líquido e certo à substituição do dinheiro oferecido em garantia da execução por carta de fiança bancária, haja vista que a execução deve ser processada da forma menos gravosa, sendo, pois, ilegal e arbitrário o indeferimento do pedido de substituição do dinheiro oferecido em garantia da execução por carta de fiança bancária, com fundamento no art. 655 do CPC. Recurso Ordinário provido.

NÚMERO ÚNICO PROC: ROMS - 3699/2003-000-01-00
PUBLICAÇÃO: DJ - 26/10/2007
PROC. Nº TST-ROMS-3.699/2003-000-01-00.5
C:
A C Ó R D Ã O
CSBDI-2

GMRLP/gc/msg

MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE GARANTIA DA EXECUÇÃO DEFINITIVA POR CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA, COM PRAZO DE VALIDADE INDETERMINADO. O mandado de segurança se volta contra o ato judicial que ordenou a penhora dos bens do Banco impetrante, ante à recusa da exeqüente em aceitar a indicação de carta de fiança bancária, cujo prazo de validade é indeterminado, além da inobservância da ordem preferencial do art. 655 do CPC. A Orientação Jurisprudencial nº 59 desta c. SBDI-2 reconhece que a carta de fiança bancária equivale a dinheiro para efeito da gradação do art. 655 do CPC, afigurando-se, assim, irrelevante a discordância da exeqüente em relação à nomeação, pelo executado, da carta de fiança como garantia da dívida, sob pena de violação do direito líquido e certo do impetrante de ver processada a execução da forma a ele menos gravosa. Recurso ordinário provido.

Por fim, verificamos que o entendimento do STJ em sede de execução fiscal é o mesmo:
“O art. 15, I, da Lei 6.830/80 confere à fiança bancária o mesmo status do deposito em dinheito, para efeitos de substituição de penhora, sendo, portanto, instrumento suficiente para garantia do executivo fiscal” (STJ-2ª T., REsp 660.228, rel. MIn. Eliana Calmon, j. 13.9.05, DJU 10.10.05).

“Conforme o art. 15, inc. I, da LEF, quando se tratar de substituição da penhora por dinheiro ou fiança bancária, cabe ao juiz somente a deferir, independententemente da anuencia do exequente. No entanto, tratando a hipotese de substituição da poenhora por outro bem que não aqueles previstos no inc. I, é imprescindível a concordancia expressa do exequente, o que não ocorreu nestes autos” (RSTJ 181/108).

Desta forma, diante dessa breve exposição, podemos concluir que a utilização da Carta de Fiança bancária pela empresa para garantir a execução ou substituir valores que já encontram-se depositados nos autos é perfeitamente possível e encontra respaldo legal, posto que permitida expressamente sua utilização nos artigos supra citados, pois considerada como DINHEIRO, nos termos do artigo 655 do CPC, respeitando ao mesmo tempo o princípio do meio menos oneroso para o executado e da primazia do credor trabalhista, porquanto permite à empresa utilizar-se de seu capital de giro enquanto discute os valores realmente devidos em execução, tendo o credor ampla e irrestrita garantia de recebimento de seu crédito no momento oportuno, posto que avalizado por instituição bancária, de grande porte, idônea e com grande prestigio no mercado.

Dra. Lara Cristina Vanni Romano
Advogada especializada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
OAB/SP 162.463

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