ILEGALIDADE FLAGRANTE da tabela que estabelece o índice de valor agregado setorial para cálculo do ICMS substituição de Produtos Farmacêuticos em São Paulo

sexta-feira, janeiro 6th, 2012.

A Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo, através de seu Coordenador da Administração Tributária, Dr. Otávio Fineis Junior, dando continuidade ao projeto de inclusão de todos os setores de significativa importância na arrecadação do Estado de São Paulo na sistemática de apuração do ICMS por substituição tributária, expediu, a 24 de janeiro do corrente exercício, a Portaria CAT de nº. 16, de 23/01, impondo, a 13 (treze) setores da atividade econômica, uma fórmula e percentuais fixos para apuração da base de cálculo das parcelas do ICMS a serem recolhidas pela indústria, por substituição, em nome dos subsequentes elos da cadeia que compõem, dentre outros, o setor farmacêutico.

Nossa intenção é abordar a ilegalidade do percentual IVA-ST estabelecido na referida Portaria CAT 16/09, especificamente em relação ao setor farmacêutico, absurdamente fixado em 68,59% (Sessenta e oito e cinquenta e nove décimos por cento).

O setor farmacêutico é composto por três elos de uma cadeia que tem início na indústria farmacêutica, importadora e produtora de medicamentos, responsável tributária desde Abril de 2.008 (Decreto nº. 52.804/2008), pelo recolhimento do ICMS de todo o setor. O segundo elo é formado por distribuidores e atacadistas, responsáveis pelo transporte de medicamentos da indústria para o varejo e hospitais. Por fim, encontramos o terceiro elo, constituído pelas grandes redes de drogarias localizadas estas geralmente nos grandes centros urbanos e por farmácias, situadas nas regiões mais distantes, responsáveis pelo atendimento ao grande público consumidor.

Este setor, dada sua importância não só econômica, mas também social, tem uma particularidade ímpar. É o único setor de atividade econômica que tem seus preços regulados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – a CMED. Referida Câmara, vinculada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – estabelece os preços máximos ao consumidor, preços estes que têm repercussão direta nos preços fábrica, restringindo e limitando efetivamente as margens de todo o setor da atividade farmacêutica.

O controle de preços é disposição impositiva de lei federal, a conhecida lei ordinária de nº. 10.742/2003, que, em seu artigo 4º, assim estabeleceu: “As empresas produtoras de medicamentos deverão observar, para o ajuste e determinação de seus preços, as regras definidas nesta Lei, a partir de sua publicação, ficando vedado qualquer ajuste em desacordo com esta Lei.”(g.n.).

Por outro lado, o Decreto nº. 4.937/2003 veio regulamentar a lei nº. 10.742/2003, para estabelecer os critérios de composição de fatores para o ajuste de preços de medicamentos. Ou seja, dentro do limite legal de preço máximo devem se submeter o fabricante, o distribuidor e o varejista, tendo, inclusive, a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária, estabelecido uma margem entre o preço fábrica e o preço máximo ao consumidor nos percentuais que vão de 32,92% a 41,42% (Resolução nº. 2, de 11/03/2009, DOU de 12/03/2009), dependendo das incidências tributárias decorrentes das variações das alíquotas internas do ICMS em cada Estado da Federação e a incidência da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS, conforme o disposto na Lei nº 10.147, de 21 de dezembro de 2001 – as conhecidas listas “positiva”, “negativa” e “neutra”.

A observância desses parâmetros legais, a que se submetem os preços dos medicamentos em todo o país, bem como as margens de comercialização entre o preço fábrica e o preço máximo fixado para os consumidores, foi regra acatada não só por todo o setor, mas inclusive pela própria Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo, consoante se denota do próprio texto da Portaria CAT nº 141/2008, que no parágrafo primeiro, de seu Artigo 1º, estabeleceu o Índice de Valor Adicionado Setorial – o denominado IVA-ST – nos seguintes termos:

Para fins do disposto neste artigo, o Índice de Valor Adicionado Setorial - IVA-ST será:
1 - 38,24% (trinta e oito inteiros e vinte e quatro centésimos por cento), tratando-se de mercadoria constante na lista positiva de incidência do PIS/PASEP e COFINS;
2 - 33% (trinta e três por cento), tratando-se de mercadoria constante na lista negativa de incidência do PIS/PASEP e COFINS;
3 - 41,38% (quarenta e um inteiros e trinta e oito centésimos por cento), tratando-se de mercadoria constante na lista neutra de incidência do PIS/PASEP e COFINS;
4 - 41,38% (quarenta e um inteiros e trinta e oito centésimos por cento), tratando-se de mercadoria que não conste nas listas positiva, negativa ou neutra de incidência do PIS/PASEP e COFINS.

E não poderia ser diferente. Com efeito, se a legislação federal, que rege o controle de preços do setor farmacêutico, impede – aliás, proíbe – a cobrança de preços ao consumidor, superiores àqueles fixados pelas Resoluções da CMED (os chamados PMCs), e, sendo estes os norteadores do preço fábrica (PF), como admitir um cálculo de Índice de Valor Agregado Setorial cujo percentual estabelecido pela Portaria CAT nº. 16/2009, para medicamentos, é de absurdos 68,59%???

Para melhor elucidar o despautério desse percentual (68,59%), é válido ilustrar o seguinte exemplo: imagine-se que o fabricante de um determinado medicamento promova a venda deste ao distribuidor ou atacadista, pelo preço máximo fábrica, respeitado o percentual de valor agregado fixado pela CMED em 32,99% (lista negativa em São Paulo, com uma alíquota de ICMS de 18%). Assim, admitindo-se um preço máximo ao consumidor de R$ 100,00, o fabricante só poderia vender o medicamento, ao distribuidor ou à farmácia, pelo preço fábrica máximo de R$ 75,19.

Ora, o preço máximo de R$ 75,19 para o fabricante é um preço controlado, ou seja, é o máximo permitido pela lei reguladora federal.

Por outro lado, se o fabricante tiver que aplicar, por disposição da Portaria CAT nº 16/2009, o percentual de 68,59%, ter-se-á um preço de base para o cálculo da parcela devida por substituição tributária superior ao permitido pela própria legislação da CMED, afrontando-se a própria legislação complementar que regula a forma de apuração do ICMS devido por substituição tributária.

O regime de substituição tributária pressupõe o cálculo da parcela do ICMS devido pelas operações posteriores, ou seja, a apuração do ICMS-substituição é feita por presunção; contudo, a presunção, sendo legal, não pode extrapolar os limites impostos pela lei.

Na hipótese retratada acima, entretanto, a apuração do ICMS-substituição ultrapassa tais limites, eis que, se adotado o preço fábrica máximo estipulado pelo órgão regulador – no caso, a CMED – como base de cálculo para a apuração do ICMS-substituição, nos exatos termos da Portaria CAT nº. 16/2009, o contribuinte substituto, responsável tributário, recolherá o ICMS-substituição superior ao valor que, concretamente, a farmácia ou drogaria deverão praticar nas vendas desse medicamento aos consumidores.

Nessas condições, voltando-se ao exemplo acima, para um preço fábrica de R$ 75,19, teremos:
PF = R$ 75,19 (a) X 68,59%(b) = Base do ICMS ST = R$ 51,57(c)
PMC= (a+c) = R$ 126,76 > R$ 100,00 (CMED)

Assim, do que se vê, resta evidente que a Tabela que fixa os percentuais de Valor Adicionado Setorial constante da Portaria CAT nº. 16/2009, objetivando estabelecer uma base de cálculo para o recolhimento do ICMS-substituição no Estado de São Paulo, é flagrantemente ilegal e, por conseqüência, inconstitucional.

Com efeito, a base presumida do ICMS-substituição em nenhuma hipótese pode obrigar o contribuinte substituto a apurar e recolher o ICMS-substituição em bases superiores àquelas fixadas por órgão competente. Nesse sentido, as disposições da Lei Complementar nº. 86/97, em seu Artigo 8º, determinam o seguinte:

Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:
...............................
§ 2º Tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido.

E nem poderia ser diferente; ou seja, o Executivo Estadual não está autorizado a estipular uma margem de valor agregado fictícia, uma vez que, por lei, o preço final ao consumidor (PMC) não pode ser ultrapassado, pois, do contrário, representaria exigir tributo sem a imprescindível ocorrência do fato gerador.

Por outro lado, não se diga que a Tabela prevista na Portaria CAT nº 16/2009 só será aplicada caso o setor não realize a impositiva e onerosa obrigação criada pelo § 1º do seu Artigo 1º, qual seja: a elaboração de uma pesquisa de preços médios que estabeleça o Índice de Valor Adicionado – IVA-ST – nos prazos fixados no Comunicado CAT nº. 05, de 24/01/2009.

Por óbvio, o setor, diante de uma cobrança ameaçadora, que extrapola não só os limites de preços máximos fixados pela CMED, mas impõe ilegal cobrança de um ICMS - substituição sem existência de efetivo fato gerador, só pode submeter-se aos custos de elaboração de uma pesquisa, cuja conseqüência previsível pode ser um aumento de arrecadação e conseqüente repasse imediato no preço dos medicamentos, por expressa determinação legal. (Lei nº. 10.742/2003, Artigo 6º, inciso X: Compete à CMED, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos a que se destina esta Lei: X - assegurar o efetivo repasse aos preços dos medicamentos de qualquer alteração da carga tributária).

Por outro lado, outro aspecto contraditório da referida Tabela é a restrição do direito de ressarcimento dos previsíveis excessos de recolhimento do ICMS substituição, haja vista a alteração da Lei nº. 6.374/1989, ocorrida através da Lei nº. 13.291/2008, que em seu Artigo 66-B, acrescentou o § 3º, que vedou qualquer possibilidade de ressarcimento do imposto recolhido a maior, caso a base de cálculo do imposto devido por substituição não adote o preço final autorizado ou fixado por autoridade competente.

Art. 66-B. Fica assegurada a restituição do imposto pago antecipadamente em razão da substituição tributária:
I- ........................;
II- caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida. (g.n.)
............................
§ 3º O disposto no inciso II do "caput" deste artigo aplica-se apenas na hipótese de a base de cálculo do imposto devido por substituição tributária ter sido fixada nos termos do "caput" do artigo 28. (g.n.)

Art. 28. No caso de sujeição passiva por substituição, com responsabilidade atribuída em relação às operações ou prestações subseqüentes, a base de cálculo será o preço final a consumidor, único ou máximo, autorizado ou fixado por autoridade competente.

Ora, convenhamos, como a Tabela extrapola o preço final a consumidor fixado pela CMED, única modalidade em que o pedido de ressarcimento pode ser pleiteado, o contribuinte, além de recolher um imposto por substituição acima do limite legal, ainda não poderá pleitear nenhum ressarcimento.

O fato é que os percentuais de índice de valor adicionado, entre o preço fábrica (PF) e o preço máximo ao consumidor (PMC), estabelecidos pela CMED – diga-se, a única autoridade competente para fixá-los e estabelecê-los – ajustam-se perfeitamente às características sui generes do setor farmacêutico, pois, como já adiantado, esta é a única atividade econômica que tem seus preços máximos controlados por autoridade governamental.

Sob este aspecto, no mínimo estranha a imposição feita ao setor farmacêutico para elaboração de uma pesquisa de preços, nos mesmos moldes e parâmetros impostos aos outros demais setores, sendo que estes não têm controle de preços e muito menos estão submetidos aos índices de valor agregado fixados por órgão regulador.

Enfim, a atual fórmula estabelecida pela Portaria CAT nº. 141/2008, na qual, para a apuração do ICMS-substituição do setor farmacêutico, adota-se como base o preço praticado pelo fabricante e sobre o mesmo aplica-se o índice percentual de valor adicionado estabelecido pela CMED, é a maneira mais adequada de se apurar o ICMS - substituição, sem desrespeitar os limites de preço máximo fixados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – a CMED.

Antonio Carlos Ariboni
Advogado Tributarista em São Paulo
Consultor Jurídico da Indústria Farmacêutic

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