As diversas inconstitucionalidades e ilegalidades do Protocolo ICMS nº 21/2011 – 2ª Parte

sexta-feira, janeiro 6th, 2012.

Não bastassem as irregularidades, sob o aspecto formal, que por si só já seriam suficientes para afastar a vigência e aplicação do Protocolo ICMS nº 21/2011, há também razões de inconstitucionalidade e ilegalidade que assolam o Protocolo nº 21, retirando dele qualquer possibilidade de manutenção e validade no ordenamento jurídico brasileiro.

Deveras, tal como já mencionado anteriormente, conforme previsão do referido Protocolo, as operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem a consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento do remetente (entre elas: operações realizadas por meio de internet, show room ou telemarketing) estarão sujeitas à tributação do ICMS em favor da Unidade Federada de destino da mercadoria, independentemente de a Unidade Federada onde se localiza o remetente ser ou não signatária do Protocolo, tal como determinado na sua cláusula primeira e parágrafo único.

Além disso, por determinação do referido Protocolo estabeleceu-se uma nova modalidade de substituição tributária nas operações interestaduais entre os Estados signatários do Protocolo, por meio da qual o estabelecimento remetente torna-se responsável pela retenção e recolhimento do ICMS incidente sobre a operação de venda para consumidor final não contribuinte, em favor da Unidade Federada de destino.

Todavia, o ICMS, tal como previsto no art. 155, II, da Constituição Federal, assim como o regime de substituição tributária desse imposto, conforme previsto na Lei Complementar nº 87/96, sinalizam para orientações distintas das tomadas no cogitado Protocolo.

Especificamente no que diz respeito às operações que destinem bens e serviços para consumidor final localizado em outro Estado, o inciso VII do parágrafo 2º do art. 155 da Constituição Federal estabelece regra quanto à aplicação das alíquotas de ICMS, distinguindo-as de acordo com a classificação do destinatário do produto, conforme seja contribuinte do imposto ou não contribuinte dele.

Assim, nos termos do dispositivo constitucional, caberá ao contribuinte remetente recolher o imposto integralmente (pela alíquota interna) no Estado de origem se a venda for realizada para consumidor final não contribuinte, ou aplicar a alíquota interestadual (menor que a interna) se a venda for realizada para outro contribuinte do imposto.

Nesse sentido, o preceito constitucional está assim redigido:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

...
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
...
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
...
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; (g.n.)
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; (g.n.)
VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

A mesma regra, ademais, é repetida em todas as legislações estaduais que regulamentam o ICMS, citando-se, a título de exemplo, o Regulamento de alguns dos Estados signatários do Protocolo ICMS nº 21/11:

- art. 18, II do Dec. Estadual AC nº 08/98 (RICMS/AC);

- art. 50, I, “b” do Dec. Estadual BA nº 6.284/97 (RICMS/BA);

- art. 56, V do Dec. Estadual CE nº 24.569/97 (RICMS/CE);

- art. 47, IV do Dec. Distrital DF nº 18.955/97 (RICMS/DF);

- art. 71, § 2º do Dec. Estadual ES nº 1.090-R/02 (RICMS/ES);

- art. 20, § 3º, II do Dec. Estadual GO nº 4.852/97 (RCTE/GO);

- art. 41, § 4º do Dec. Estadual MS nº 9.203/98 (RICMS/MS);

- art. 49, I, “b” do Dec. Estadual MT nº 1.944/89 (RICMS/MT);

- art. 20, § 1º, III do Dec. Estadual PA nº 4.676/01 (RICMS/PA).

E assim é, porque quando o destinatário da operação é consumidor final não contribuinte do ICMS, o produto perde, a partir dele, sua qualidade de mercadoria, porque se dá por encerrada a cadeia de circulação/comercialização e de incidência do imposto. Por essa razão, cabe ao Estado remetente (onde se originou a operação) cobrar o imposto integralmente, pertencendo a este ente federativo todo o tributo devido.

Por outro lado, se o destinatário da mercadoria é também contribuinte do imposto, a alíquota incidente é a interestadual (menor que a interna), pois o produto ainda está sujeito a novas etapas de incidência do ICMS. Assim, compete ao remetente recolher parte do ICMS ao seu Estado, cabendo ao Estado destinatário – onde está o contribuinte que também praticará operações com a mercadoria sujeitas ao ICMS – receber a outra parte do imposto, que será apurada pela diferença entre a sua alíquota interna e a interestadual.

Todavia, no que concerne à aplicação do disposto no Protocolo ICMS nº 21/2011, quando comparado ao disposto na Constituição verifica-se evidente subversão do mecanismo de incidência do ICMS nas operações interestaduais com consumidor final não contribuinte.

Conforme previsto no Protocolo (Cláusulas Primeira e Terceira), nos Estados signatários ocorrerá a repartição do imposto incidente sobre a operação com consumidor final não contribuinte entre os Estados remetente e de destino, numa tentativa de assemelhar a incidência criada no Protocolo com a previsão constitucional.

Entretanto, ao contrário do que estabelece a alínea “b” do inciso VII, § 2º, do art. 155 da Constituição, na hipótese de incidência criada no Protocolo o contribuinte vendedor torna-se responsável pelo imposto devido ao Estado de origem da operação (cf. parágrafo único da Cláusula Terceira) e também pela parcela devida no Estado destinatário (Cláusulas Primeira, Segunda e Terceira), pois cabe a ele aplicar sobre a base de cálculo da operação, no Estado remetente, a alíquota correspondente à interestadual (7% ou 12%), e para o Estado destinatário, a alíquota interna desse Estado, deduzindo-se o imposto devido ao Estado remetente.

Já com relação aos Estados não signatários do Protocolo (que, nos termos do parágrafo único da sua Cláusula Primeira, também devem se submeter à disciplina criada por ele), a violação constitucional é ainda maior, configurando verdadeira bitributação, eis que nessa hipótese a obrigação do contribuinte vendedor corresponderá ao recolhimento do imposto, integralmente, no Estado de origem, por meio da aplicação da alíquota interna desse Estado sobre a base de cálculo da operação com consumidor final não contribuinte, acrescida da parcela adicional criada pelo Protocolo, que deverá ser recolhida no Estado destinatário dos produtos.

Nesse caso, o contribuinte sofrerá uma incidência legítima e outra ilegal: por se tratar de incidência de ICMS em Estado não signatário do Protocolo, aplicar-se-á, legitimamente, a legislação do Estado de origem, que segue a orientação constitucional de aplicar a alíquota interna nas operações interestaduais com consumidor final não contribuinte. Mas, além dessa tributação, será exigível também o novo imposto criado, a partir do momento do ingresso da mercadoria no território da unidade federada de destino, por determinação do Protocolo.

Por essas razões, a “disciplina relacionada à exigência do imposto nas operações interestaduais a consumidor final” estabelecida no Protocolo ICMS nº 21/11 configura exigência incompatível com o disposto na alínea “b”, do inciso VII, § 2º, combinado com o inciso II, do art. 155, da Constituição Federal, a comprovar sua evidente inconstitucionalidade.

Mas não é só isso.

Além de estabelecer nova hipótese de incidência do ICMS nas operações interestaduais com consumidor final não contribuinte, o Protocolo ICMS nº 21/11 criou, também, nova sistemática de substituição tributária do imposto sem atender ao disposto no § 7º do art. 150, da Constituição, bem como nos artigos 6º e seguintes da Lei Complementar nº 87/96.

A Cláusula Segunda do Protocolo 21 dispôs que “nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias do protocolo o estabelecimento remetente, na condição de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela de que trata a cláusula primeira”.

Pois bem.

A substituição tributária prevista na Constituição parte do pressuposto de que após a incidência do imposto na operação própria do contribuinte, ocorrerão hipóteses de incidência posteriores, realizadas por outros contribuintes; no entanto, por questões de organização fiscal, atribui-se a responsabilidade do recolhimento do imposto incidente nas operações posteriores ao contribuinte que realiza a primeira hipótese de incidência de toda a cadeia de recolhimento.

Dessa forma, conforme disposto no § 7º do art. 150, CF[1], antecipa-se o recolhimento do imposto e atribui-se a responsabilidade pelas demais obrigações a um único contribuinte, pois presume-se que ocorrerão novos fatos geradores, que serão realizados por outros contribuintes. E caso não se realize o fato gerador presumido, fica assegurada a restituição da quantia paga, pois do contrário significaria tributação de fato gerador inexistente.

E nesse mesmo sentido foi a orientação da Lei Complementar nº 87/96 no seu art. 6º, parágrafo 1º e art. 10:

Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.

§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. (g.n.)
...
Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.

Veja-se, portanto, que a condição de existir outros contribuintes do imposto é essencial para a aplicação da substituição tributária, pois somente outro contribuinte pode realizar o fato gerador presumido que é antecipado pela substituição.

Do contrário, se a operação seguinte é realizada com consumidor final não contribuinte do imposto, encerra-se a cadeia de incidência (uma vez que o não contribuinte não realiza novos fatos geradores), e consequentemente é afastada a obrigação de substituição tributária.

Por isso, a hipótese criada pelo Protocolo ICMS nº 21/11, que determina ao estabelecimento remetente a condição de substituto tributário responsável pela retenção e recolhimento do ICMS em favor do Estado de destino, relativo a imposto incidente sobre operação com consumidor final não contribuinte, configura imposição de nova obrigação tributária, não prevista na Lei Complementar nº 87/96, nem tampouco na Constituição.

Por todas estas razões, o Protocolo ICMS nº 21/2011 não apresenta qualquer amparo de validade e legitimidade na legislação tributária e fere de morte os princípios constitucionais basilares do Pacto Federativo e da Legalidade, devendo ter sua aplicação afastada.

[1] § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

Por Patrícia Leati Pelaes

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