As diversas inconstitucionalidades e ilegalidades do Protocolo ICMS nº 21/2011 1ª Parte

sexta-feira, janeiro 6th, 2012.

O argumento, para todos os Estados, é o mesmo: a aquisição de mercadorias e bens de forma remota, ou, como se diz no Protocolo, o comércio não presencial, especialmente o realizado pela internet, tomou volume e proporções antes (da promulgação da Constituição Federal de 1988) não imaginados, acarretando quedas na arrecadação e prejuízo no comércio local de Estados ditos “consumidores”, em favorecimento dos demais Estados “fornecedores”.

A partir desse argumento iniciou-se, então, a nova onda legislativa: já que o ICMS é imposto sobre consumo, cuja repartição tributária deve observar essa natureza, a tributação dessa modalidade de comércio remoto deve, então, assegurar que o produto da arrecadação de operações interestaduais cujos destinatários sejam não contribuintes – consumidores finais – seja repartido entre as unidades federadas de origem e de destino dos bens.

Iniciou-se a nova modalidade de incidência no âmbito territorial dos Estados, individualmente, com a introdução de alterações legislativas e regulamentares na legislação do ICMS, a exemplo, dentre outros, dos Estados do Ceará, Mato Grosso e Bahia.

Mas em seguida, como que para dar legitimidade ao argumento do prejuízo financeiro dos Estados, foi então publicado o Protocolo ICMS nº 21, de 1º de Abril de 2011, com fundamento no disposto nos arts. 102 e 199 do Código Tributário Nacional e no art. 9º da Lei Complementar nº 87/96, para se estabelecer disciplina relacionada à exigência do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem a consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente.

Todavia, como se verá a seguir, a “disciplina relacionada à exigência do imposto nas operações interestaduais a consumidor final” consiste, na verdade, em nova hipótese de incidência do imposto e estabelecimento de nova modalidade de substituição tributária, não previstos na Constituição Federal, nem tampouco na Lei Complementar nº 87/96.

As ilegalidades e inconstitucionalidades do cogitado Protocolo são, portanto, numerosas, e por essa razão, neste artigo serão abordadas as que dizem respeito à legitimidade do próprio ato normativo (Protocolo ICMS), assim como do órgão a partir do qual ele foi emanado (Confaz).

Conforme disposto no Protocolo[1], a disciplina por ele prevista, relacionada à exigência do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem a consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente, atinge dois grupos de contribuintes: os estabelecidos em Estados signatários do Protocolo; e os estabelecidos em Estados não signatários do Protocolo.

Para os dois grupos, previu-se a exigência, a favor da Unidade Federada de destino da mercadoria ou bem, da parcela do ICMS devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom.

Para o primeiro grupo (dos signatários do Protocolo), estabeleceu-se, ainda, uma nova sistemática de substituição tributária, com a repartição das receitas em favor da unidade federada de destino e da unidade federada de origem.

Todavia, para o segundo grupo (dos não signatários do Protocolo), determinou-se que, além do imposto devido integralmente no Estado de origem (correspondente à exigência prevista para a operação interestadual para consumidor final, cuja alíquota incidente é a da operação interna desse Estado), será exigível, também, a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território da unidade federada do destino e na forma da legislação de cada unidade federada, o pagamento do imposto relativo à parcela a que se refere a cláusula primeira do Protocolo.

Nestes termos, num exame sumário do Protocolo, verifica-se que a nova “disciplina” estabelecida pelos Estados aderentes apresenta três propósitos iniciais:

1. repartir receitas de operações interestaduais do Imposto entre os Estados signatários do Protocolo, garantindo que parte da arrecadação seja destinada aos Estados de destino onde se localizem os consumidores finais adquirentes;

2. criar nova modalidade de substituição tributária do imposto; e

3. estabelecer nova incidência do ICMS e correspondentes obrigações acessórias, obrigando contribuintes localizados em Estados não signatários ao recolhimento do imposto para o Estado de destino, além do imposto já devido no Estado de origem.

O meio (Protocolo ICMS), assim como o órgão (Confaz), utilizados para a criação dessa nova disciplina de exigência do ICMS nas operações interestaduais, entretanto, não foram os mais adequados.

Os artigos 100, IV, 102 e 199 do Código Tributário Nacional dispõem sobre as normas complementares, vigência e prestação de assistência mútua entre as Fazendas Públicas para a aplicação e fiscalização da legislação tributária[2].

Além disso, o art. 9º da Lei Complementar nº 87/96 prevê que “a adoção do regime de substituição tributária (estabelecido pela própria Lei Complementar nº 87/96) em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados”.

Para tanto, foi então criado o Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz, que, nos termos do seu Regimento Interno, tem o papel de órgão colegiado representativo dos Estados, cuja finalidade é “promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional – CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais”.

Nesse sentido, conforme previsto também no seu Regimento Interno, compete a este órgão (art. 3º, do Anexo ao Convênio ICMS nº 133/97):

I - promover a celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto de que trata o inciso II do art. 155 da Constituição, de acordo com o previsto no § 2º, inciso XII, alínea “g”, do mesmo artigo e na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975;
II - promover a celebração de atos visando o exercício das prerrogativas previstas nos artigos 102 e 199 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), como também sobre outras matérias de interesse dos Estados e do Distrito Federal.
III - sugerir medidas com vistas à simplificação e à harmonização de exigências legais;
IV - promover a gestão do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais - SINIEF, para a coleta, elaboração e distribuição de dados básicos essenciais à formulação de políticas econômico-fiscais e ao aperfeiçoamento permanente das administrações tributárias.
V - promover estudos com vistas ao aperfeiçoamento da Administração Tributária e do Sistema Tributário Nacional como mecanismo de desenvolvimento econômico e social, nos aspectos de inter-relação da tributação federal e da estadual;
VI - colaborar com o Conselho Monetário Nacional na fixação da Política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e Distrito Federal, para cumprimento da legislação pertinente e na orientação das instituições financeiras públicas estaduais, propiciando sua maior eficiência como suporte básico dos Governos Estaduais.

No que diz respeito à celebração de Protocolos, o art. 38 do Regimento Interno do Confaz diz que “dois ou mais Estados e Distrito Federal poderão celebrar entre si Protocolos, estabelecendo procedimentos comuns visando: I – a implementação de políticas fiscais; II – a permuta de informações e fiscalização conjunta; III – a fixação de critérios para elaboração de pautas fiscais; IV – outros assuntos de interesse dos Estados e do Distrito Federal”.

Nessa hipótese, obviamente, a vigência e validade dos procedimentos conjuntamente elaborados se circunscrevem aos limites territoriais dos Estados signatários do Protocolo, não podendo alcançar a legislação de Estados que não tenham participado do acordo.

E mais, seja para a celebração de Convênios ou Protocolos, a competência atribuída aos Estados, por meio do colegiado do Confaz restringe-se, por questões de hierarquia normativa, às atividades descritas no seu Regimento Interno, relacionadas a políticas de harmonização e simplificação das exigências fiscais, não podendo incursionar na competência tributária própria de cada ente federativo, delegada pela Constituição Federal, nem tampouco sendo-lhe autorizado inovar em assuntos já regulados por lei ordinária ou complementar.

Por isso, ao serem confrontadas as disposições do Protocolo ICMS nº 21/11 com o Regimento Interno do próprio Confaz e com outras normas legais (Constituição Federal e Lei Complementar nº 87/96), vê-se facilmente que as competências atribuídas ao órgão para a elaboração do acordo foram extrapoladas.

Isso porque não estão compreendidas dentro das competências do Confaz relacionadas acima, nem tampouco para a celebração de Protocolos, as matérias que digam respeito:

- a repartição de receitas tributárias entre Estados (já que é matéria reservada à Lei Complementar, por determinação Constitucional – art. 161);

- a criação de sistemática de substituição tributária distinta da prevista nos artigos 6º a 9º da Lei Complementar nº 87/96 (que só confere a possibilidade de adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais por meio de acordos específicos entre os Estados, sem, contudo, permitir a estes Estados a fixação de novos critérios para a substituição); e

- a instituição de novas hipóteses de incidência tributária, principalmente se há evidente afronta à dispositivo da Constituição – art. 155, § 2º, VII, “b”.

Nestes termos, só por essas razões o Protocolo ICMS nº 21/2011 já deveria ter sua aplicação afastada, em face da incompetência do órgão de onde o Protocolo foi emanado (Confaz) para regular as matérias nele tratadas, bem como em face da inadequação da via eleita (Protocolo) para tratar dessas matérias.

Há, porém, outras razões, de inconstitucionalidade e ilegalidade, para que o Protocolo ICMS nº 21/11 seja afastado, que serão abordadas em artigo separado.

[1] O Protocolo ICMS nº 21, de 1º de Abril de 2011, foi publicado no DOU de 07/04/11 nos seguintes termos:

PROTOCOLO ICMS 21, DE 1º DE ABRIL DE 2011
Estabelece disciplina relacionada à exigência do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem a consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente.
Os Estados de Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal, neste ato representados pelos Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação e Gerente de Receita, reunidos na cidade do Rio de Janeiro, no dia 1º de abril de 2011, fundamentados no disposto nos arts. 102 e 199 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e no art. 9° da Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996,
considerando que a sistemática atual do comércio mundial permite a aquisição de mercadorias e bens de forma remota;
considerando que o aumento dessa modalidade de comércio, de forma não presencial, especialmente as compras por meio da internet, telemarketing e showroom, deslocou as operações comerciais com consumidor final, não contribuintes de ICMS, para vertente diferente daquela que ocorria predominante quando da promulgação da Constituição Federal de 1988;
considerando que o imposto incidente sobre as operações de que trata este protocolo é imposto sobre o consumo, cuja repartição tributária deve observar esta natureza do ICMS, que a Carta Magna na sua essência assegurou às unidades federadas onde ocorre o consumo da mercadoria ou bem;
considerando a substancial e crescente mudança do comércio convencional para essa modalidade de comércio, persistindo, todavia, a tributação apenas na origem, o que não coaduna com a essência do principal imposto estadual, não preservando a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e de destino, resolve celebrar o seguinte
P R O T O C O L O
Cláusula primeira Acordam as unidades federadas signatárias deste protocolo a exigir, nos termos nele previstos, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom.
Parágrafo único. A exigência do imposto pela unidade federada destinatária da mercadoria ou bem, aplica-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias deste protocolo.
Cláusula segunda Nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias deste protocolo o estabelecimento remetente, na condição de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela de que trata a cláusula primeira.
Cláusula terceira A parcela do imposto devido à unidade federada destinatária será obtida pela aplicação da sua alíquota interna, sobre o valor da respectiva operação, deduzindo-se o valor equivalente aos seguintes percentuais aplicados sobre a base de cálculo utilizada para cobrança do imposto devido na origem:
I - 7% (sete por cento) para as mercadorias ou bens oriundos das Regiões Sul e Sudeste, exceto do Estado do Espírito Santo;
II - 12% (doze por cento) para as mercadorias ou bens procedentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.
Parágrafo único. O ICMS devido à unidade federada de origem da mercadoria ou bem, relativo à obrigação própria do remetente, é calculado com a utilização da alíquota interestadual.
Cláusula quarta A parcela do imposto a que se refere a cláusula primeira deverá ser recolhida pelo estabelecimento remetente antes da saída da mercadoria ou bem, por meio de Documento de Arrecadação Estadual (DAE) ou Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE), exceto quando o remetente se credencie na unidade federada de destino, hipótese em que o recolhimento será feito até o dia nove do mês subseqüente à ocorrência do fato gerador.
Parágrafo único. Será exigível, a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território da unidade federada do destino e na forma da legislação de cada unidade federada, o pagamento do imposto relativo à parcela a que se refere a cláusula primeira, na hipótese da mercadoria ou bem estar desacompanhado do documento correspondente ao recolhimento do ICMS, na operação procedente de unidade federada:
I - não signatária deste protocolo;
II - signatária deste protocolo realizada por estabelecimento remetente não credenciado na unidade federada de destino.
Cláusula quinta O disposto neste Protocolo não se aplica às operações de que trata o Convênio ICMS 51/00, de 15 de dezembro de 2000.
Cláusula sexta Fica facultada à unidade federada signatária estabelecer, em sua respectiva legislação, prazos diferenciados para o início de aplicabilidade deste protocolo, relativamente ao tipo de destinatário: pessoa física, pessoa jurídica e órgãos da Administração Pública Direta e Indireta, inclusive suas autarquias e fundações.
Cláusula sétima Este protocolo entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União, produzindo efeitos a partir do 1º dia do mês subsequente ao da publicação.
[2] Nos termos desses artigos: “Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. “Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União”. e “Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio”.

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